sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

As nossas leituras

De que modo um professor malpreparado do ensino público será capaz de mostrar ao aluno que a leitura, decerto, ser-lhe-á benéfica?

Por razões culturais, históricas e – até – econômicas, o brasileiro lê pouco (3,7 livros/ano). Nossa leitura está bastante associada aos estudos e nossas idas as silenciosas bibliotecas só se realizam em grande parte pelo mesmo motivo. Pouco se lê por prazer.  E em condições sócio-econômicas mais favoráveis, o número de leitores tende a crescer – 79% dos que têm formação superior e 78% dos que tem 10 salários mínimos ou mais declaram ler por gosto em seu tempo livre. Passo rapidamente por estes dados da pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil (2007)” realizada pelo Instituto Pró-Livro e Ibope Inteligente, apenas para que se evidencie o precário valor social dado ao livro e a relação com poder aquisitivo ao qual a leitura no Brasil está associada.

A escassez de programas de incentivo a leitura são resultado direto de tal situação. Pois, se os “homens do Planalto” julgam mais importantes criar mais vagas para deputados federais ou esbanjar dinheiro com trabalhos desprezíveis, no âmbito do legislativo (contratar fotógrafos para criar um “book” reunindo as riquíssimas e expressivas obras de arte do Congresso!), a investir em programas que despertem o interesse e o gosto pela leitura, além de incentivos governamentais que barateassem o custo de livros - alguns muito caros, aliás – dentre outros, dificilmente as bibliotecas, os sebos, etc. serão valorizados como locais de aprendizagem, descanso e lazer. No mais, serão lugares para estudantes que ‘devem’ ir ler e/ou procurar este ou aquele livro por culpa do professor e da escola.

A isto, soma-se a péssima qualidade do ensino público (um dos locais, mas não o único, de possível atuação governamental). Com uma infraestrutura péssima, um corpo docente e material didático de apoio talvez piores, torna-se impossível a um aluno do ensino médio compreender a beleza da prosa machadiana ou a importância de Nietzsche para a compreensão de sua realidade. De que modo um professor malpreparado, com fraco material didático de apoio será capaz de mostrar ao aluno que a leitura, decerto, ser-lhe-á benéfica?

Ademais, há que se considerar outro fato que implica e agrava este problema. 50% dos entrevistados dizem não ler por falta de tempo. Isto ocorre, é óbvio, por uma configuração do tempo do brasileiro na qual a leitura não figura entre as principais. Se ler não é uma prioridade do brasileiro, não é, em princípio, uma culpa sua, pois não foi imbuído do quão prazeroso e importante a leitura pode ser para sua vida (e isto lhe é apresentado primeira e fundamentalmente na escola para depois se expandir aos meios sociais, emprego, etc.). Na escola, não foi educado de modo a considerar a leitura como prazer e a associar estes dois elementos. De sorte que o ensino básico constitui a ‘mola mestra’, digamos assim, no processo de “educação literária”.

A pesquisa citada mostra que, apesar de 3,7 livros/ano, esta quantidade aumentou, se comparada com a primeira edição da pesquisa, realizada em 2000, na qual o número era de 1,8 livros/ano. Consideremos como bom este fato, visto que todo crescimento do índice é sempre uma notícia positiva. Mas, ainda assim, não é lá coisa que se comemore, pois, em primeiro lugar, a diferença é de um livro, em média – pouco, a se considerar um ano inteiro. Em segundo, o índice ainda continua baixo em relação às outras mídias.

É necessário do governo, portanto, medidas além de retórica política que não sai do papel. Atuação nas escolas e universidades, feiras de livros, barateamento de livros não-didáticos, dentre outros.  A leitura é fundamental ao ser humano, seja porque ela é uma fonte inesgotável de conhecimento (mais do que qualquer outro meio), seja porque ela é dotada de uma beleza e sutileza artística incrível.  Há a história de um homem que, ao terminar de ler o romance e ver que estava novamente na dura e amarga realidade, pôs-se a chorar, visto que não podia pertencer aquela outra realidade – a do livro.

Não vejo o que comemorar nestes dados. E estes podem não melhorar se presidentes continuarem a dizer que não gostam de ler e que “os jornais dão-lhe azia”. Uma pena, em se tratando do homem de poder máximo no Executivo e no país, com tanta popularidade, a dar e vender.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

A Itália de Tarso

Desde metade deste janeiro, Cessari Battisti está no Brasil com status de “refugiado político”. Graças ao ministro Tarso Genro, que concedeu o refúgio ao escritor e ex-militante do PAC (Proletários Armados pelo Comunismo). Tal fato causou tanta repercussão, a Itália convoca o embaixador Michele Valensise “para consultas”, manda cartas ao Brasil, manifestações acontecem no país, que agora o caso foi parar no STF (Superior Tribunal Federal).

Bem. Posto que li pouco e entendi razoavelmente o assunto, é inevitável, que eu, como muitos outros brasileiros, levante mais a poeira – ainda que com débil efeito – acerca do assunto.

Primeiramente (e sem rodeios), acredito que conceder refúgio a Battisti diminui - e muito - a legitimidade democrática da Itália. Argumentando que o refúgio concedido é constitucional, pois a lei assegura que perseguidos políticos não podem ser extraditados, o ministro da Justiça rebaixa o 'mérito', digamos assim, daquele país de julgar um acusado de crimes que, à primeira vista, nada tem de políticos. 

Noutras palavras, é como se a Itália, em seu Estado Democrático de Direito, tivesse manias de perseguir opositores políticos.

Além disso, até agora, não soube - ao menos, não fui informado - de nenhuma perseguição política (típicas em ditaduras) na Itália atual, que desmerecesse a justiça deste país. E, se por acaso, Tarso conhecesse algum caso concreto, era dever dele nos notificar.

Em segundo lugar, ao decidir em favor do refúgio, e assim contrariando a decisão do Conare( Comitê para Refugiados), Tarso age, a meu ver, com viés ideológico no momento em que, apenas, a neutralidade e a objetividade deveriam guiá-lo. Sob a alegação de que o refugiado sofre “perseguição política” e sem o devido “direito de defesa”, Tarso acolhe-o aqui, alegando ser a decisão do Comitê “contraditória”.  Mas o próprio Comitê justifica-se, além de outras, afirmando que a Justiça Italiana é democrática e respeita os direitos Humanos, como noticiou a Folha de S. Paulo e muitos outros jornais. Mas Genro, ao que parece, apenas passa por cima de tal fato...

Pergunta-se: qual é a Itália que o ministro está vendo: a do século XXI, democrática e legítima, ou a da metade do século XX, ditatorial e antidemocrática? Mais me parece esta última.